As crianças são mesmo o melhor do mundo
A sobrinha-mais-linda pegou-me a constipação.
Sobrinha-mais-linda-do-mundo que, sem nada que o fizesse prever, desliga as pilhas por uns instantes, se lança para o meu colo, enrola os braços à volta do meu pescoço, aninha a cabeça no meu ombro e fica muito sossegadinha a ouvir-me cantar o tão-balalão, cabeça de cão, orelhas de gato...
Desculpem a ausência de notícias, mas quase que nem sei o que é um computador. Ando demasiado ocupada a mimar a sobrinha-mais-linda e a alimentar a minha bicla com (muitos) quilómetros.
O Natal.
A ideia de só comprar prendas para as crianças foi cozinhada durante algum tempo e quando finalmente tomámos uma decisão, aproveitámos que o forno estava ligado e pusemos lá dentro as lembranças para os adultos... literalmente. Passei dois dias inteiros a fazer tabuleiros de biscoitos, que depois enfrasquei, etiquetei e embrulhei em sacos (mais um bocado e ficava com calos nas mãos de tanto puxar pela mola do dispara-biscoitos).
Como este ano havia o fator casa nova, fizemos também questão de ser os anfitriões de dois jantares de Natal… em dois dias seguidos. Cansaços à parte, a verdade é que o espaço e as condições que agora temos só fazem sentido quando partilhados com as pessoas de quem gostamos. Algumas tiveram dificuldade em perceber isso e tivemos mesmo de as ameaçar com uns quantos “Se não for cá em casa, não há Natal para ninguém!”.
No final, acabou por correr tudo bem. Numa das noites éramos treze à mesa (algo impensável na casa antiga) e podíamos facilmente sentar mais umas cinco ou seis pessoas. Haja pratos, talheres, copos e panelas grandes e daqui a nada estamos a organizar casamentos. Foi bom, todos gostaram e nós… bem, nós gostámos mesmo muito :)
A árvore de Natal, agora com um canto próprio na sala, só foi desfeita este fim-de-semana. Em toda a sua existência, nunca tinha tido os ramos completamente abertos, dado o espaço que roubava e os encontrões que sofria. O espartilhamento da dita era tal que as decorações que temos parecem subitamente pequenas e demasiado minimalistas.
O marido diz que ninguém se vai esquecer das nossas prendas e eu espero que não seja por terem ficado com uma valente dor de barriga…
Pela primeira vez em muitos, muitos anos, o Natal voltou a ter parte daquela magia que eu sentia quando era criança e acho que a diferença foi mesmo por termos conseguido dar um pouco de nós próprios àqueles que nos são próximos. Tudo o resto à parte, só por este Natal já valeu a pena termos trabalhado que nem uns lemmings obstinados para termos a casa nova pronta.
Farinha, ovos, açúcar amarelo, margarina, chocolate, leite, nozes, amêndoas, manteiga de amendoim, canela, raspa de limão.
Agora sim, já posso começar a tratar das prendas de Natal.
Há uma adivinha que reza qualquer coisa do género: "Se só tiver um fósforo e entrar num quarto frio e escuro onde existe um candeeiro a petróleo, uma vela e um aquecedor a gás, o que acende primeiro?". A resposta correcta é, logicamente, o fósforo... excepto no caso da Mãe.
A Mãe iria primeiro ao fogão da cozinha.
Senão vejamos os passos que segue para acender a lareira:
Não havia eu de sair assim tão inteligente como saí...
A Avó, Mãe da Mãe, sempre tentou fazer de mim uma senhora "à séria". Há uns vinte, vinte e cinco anos atrás, e na cabeça da Avó, isso significava transmitir-me não só valores como... lavores.
Lembro-me bem - tão bem - de estar sentada à beirinha da cama da Avó, com ela à minha frente, de agulhas nas mãos e esquemas complicados no colo, novelos e novelos de linhas por todo o lado e uma persistência infinita a ensinar-me os passos e os preceitos todos.
Aquelas tardes eram para mim um pesadelo. Sempre gostei de trabalhos manuais, mas trocava de bom grado as agulhas por pregos sem sequer pestanejar. Os nomes eram confusos. As costas doíam-me. As malhas saltavam e perdiam-se. Os enganos só eram descobertos quando já ia umas sete ou oito carreiras mais à frente. Pior, muito pior, do que tudo isto era o sol que fazia na rua e o vento nas árvores que parecia chamar por mim. Eu suspirava, suspirava, suspirava... e lá endireitava as agulhas e esforçava-me por prestar atenção à Avó (dizer que não a tanto empenho parecia-me uma maldade muito grande).
Até renda de 5 agulhas eu fazia. Com "gatos", é certo, mas fazia... usando pedaços de cortiça na ponta das agulhas para (tentar) evitar a tragédia maior de qualquer senhora dos lavores digna desse nome: a frustração das malhas caídas.
Hoje, vinte ou vinte e cinco anos depois daquelas tardes, pego nas agulhas de tricot da Mãe e
- Ó Mãe, como é que se com...
e antes de terminar a frase, dou por mim a montar uma carreira quase sem olhar, com os dedos a andar ligeiros para trás e para a frente, como se tivesse sido ontem que me sentei à beirinha da cama da Avó.
Wow.
A memória é, de facto, algo extraordinário.
(Interrogo-me se, pegando num tecido de algodão e começando a puxar linhas, também me lembrarei automaticamente daquelas barras para toalha que aprendi a fazer. Hei-de experimentar...)
Entretanto, e porque, afinal, com pregos ou com agulhas, trabalhos manuais são sempre trabalhos manuais, naqueles bocadinhos entre o jantar e o ir dormir (ou entre o tentar jantar e o adormecer em cima do prato), ando a dar corda aos dedos. Ou melhor, ando a dar trapilho aos dedos. E, claro, culpa das pesquisas para a quase-casa-nova, a IKEA foi a minha inspiração:
Believe it or not, apesar de nas fotos parecerem penicos, ao vivo estão verdadeiramente engraçados.
Avó J., fui eu que fiz!
Decidido que estava que íamos passar a passagem de ano com a Mãe, eu e o Irmão combinámos tudo entre nós – quem levava o quê, jogos, horas, etc.. No fim, digo:
- Bom, agora só falta telefonar à Mãe e dizer-lhe que tem de fazer o jantar para nós todos.
Irmão [com a perspectiva de ficar desempregado dentro de seis meses]: Estou deprimido…
Eu: Deprimido? Não podes. Se ficares – repito – SE ficares desempregado, é só daqui a seis meses. Não vais conseguir manter a depressão até lá, por isso mais vale dizeres-lhe que vá dar uma curva e que volte umas três semanas antes. Aí sim, podes deprimir.
Irmão: É tão bom ter uma conversa séria contigo…