Despenteado à Toni
Fevereiro 07, 2007
Fui cortar o cabelo.
(A minha aversão a cabeleireiros é sobejamente conhecida:
. Entro e mesmo antes de falar com alguém já estou a dever 20 euros - risca.
. Tempo de espera superior a dez minutos - risca.
. Tempo de tortu... errrr... de corte superior a dez minutos - risca.
. Espetam-me os pentes nas orelhas - risca.
. Utilizam o secador como se quisessem fazer de mim uma tocha humana - risca.
. Saio de lá pior do que entrei - risca.
. Saio de lá tal e qual como entrei - risca.
And so on.)
Sempre que tenho de recorrer a estes profissionais, vou a um diferente. Desta vez, segui a recomendação do marido e decidi entregar-me à única pessoa que ele deixa aproximar-se do seu cabelo com uma tesoura na mão: a S.
Lá fui,
- É para lavar e cortar, se faz favor.
Sento-me, a S. enche-me de espuma até às orelhas, tenho de pedir para baixar a temperatura da água, sinto coisas a escorrer pelo pescoço. O habitual, portanto. Passo para defronte do espelho e quando começo a explicar os meus dramas capilares e o corte que gostava de ter, sai da boca da S. uma frase fatal:
- O Toni já vem cortar.
Alto. Ninguém se mexe. Parem tudo. Stop, stop, STOP.
O Toni?! QUAL TONI??!!
Por detrás de uns frascos, vejo o dito Toni. Tem ar de copos. Grande, desajeitado. Olhos um bocadinho tortos. Esquisito. Imagino-o com uma faca do talho na mão a despedaçar javalis.
Não, não, não... O Toni NÃO me vai cortar o cabelo! Eu vim cá para ser atendida pela S. e não por um Toni...
A S. desaparece não sei para onde e o Toni aproxima-se de mim, armado com uma tesoura. Arrepio-me, torço-me na cadeira, planeio uma fuga sem muito estrilho, procuro em pânico a saída mais próxima.
- Então, como vai ser o corte?
Estou paralisada. Gaguejo, sacudo a toalha. A S. não está em lado nenhum, abandonou-me à mercê do despedaçador de javalis.
...
...
Calma.
Respira fundo.
...
...
...
O cabelo cresce novamente, certo?
Certo.
- ... errr... eu costumo cortar aqui a direito e aqui mais subido.
O Toni ouve. Ouve mas não avança. Parece esperar que eu diga mais qualquer coisa.
- Ele tem muitos jeitos e espeta muito.
Oh my god... espeta? ESPETA?? Eu estou a falar em espetadas com alguém que, de certezinha, tem em casa uma colecção de ganchos para pendurar carcaças de gado?
...
Coragem. Lembra-te: ele cresce novamente.
- Gostava de experimentar um corte diferente. Talvez...
Hesito. Volto a hesitar.
Perdida por cem, perdida por mil.
O cabelo cresce novamente, certo?
Certo.
- ...talvez mais curto.
Foi a loucura total. Juro que vi os olhos um bocadinho tortos do Toni a reluzirem de satisfação. A tesoura tremeu com a emoção. O peito encheu-se de ar, como que tomando fôlego para a empreitada.
- Preciso de mais luz aqui! Mais luz!!
A S. aparece, vinda do sítio onde se escondeu (provavelmente para fugir dos javalis) e acende umas lâmpadas por cima de mim. Olho para ela, como que implorando socorro, mas de nada vale. O Toni finalmente avança e começa às tesouradas.
Clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip...
Já chega, não? Espere, espere, não corte tanto aí!! Está a ficar torto... Mais não, mais não! O meu cabeloooooo....
...
...
...
- Gosta de se ver assim?
- Gosto, gosto. Está muito giro.
- É um penteado... assim.. despenteado.
Despenteado é bom. É o meu estado natural. Agora já posso dizer que é de griffe.
- ... um corte moderno, jovem...
Moderno? Jovem? Excelente. Mesmo o que eu estava a precisar.
- Está muito giro, gosto muito!
Chego a casa e tenho uma poupa no ar. Tento penteá-la, baixar-lhe a crista. Não consigo. O cabelo está torcido em todas as direcções. Irregular. Cheio de tufos.
Toni, o despedaçador de javalis com os olhos um bocadinho tortos, derrotou todas as outras cabeleireiras finas que me tentam sempre distrair das asneiradas que se passam cá em cima com os seus "vai arranjar as unhas?":
Número de vezes que me cravaram os dentes do pente na cabeça: zero.
Número de queimaduras de secador: zero.
Número de produtos peganhentos despejados sobre o meu couro cabeludo: zero.
Número de tesouradas fora do sítio: três (mas faziam parte do penteado/despenteado).
Número de vezes que me arrependi de não ter fugido: zero (mas só a partir do momento em que o Toni pousou a tesoura)
Estou oficialmente despenteada e gosto.
Tenho frio nas orelhas, mas que se lixe. Ele cresce novamente (embora isso agora já não seja necessariamente urgente).
(A minha aversão a cabeleireiros é sobejamente conhecida:
. Entro e mesmo antes de falar com alguém já estou a dever 20 euros - risca.
. Tempo de espera superior a dez minutos - risca.
. Tempo de tortu... errrr... de corte superior a dez minutos - risca.
. Espetam-me os pentes nas orelhas - risca.
. Utilizam o secador como se quisessem fazer de mim uma tocha humana - risca.
. Saio de lá pior do que entrei - risca.
. Saio de lá tal e qual como entrei - risca.
And so on.)
Sempre que tenho de recorrer a estes profissionais, vou a um diferente. Desta vez, segui a recomendação do marido e decidi entregar-me à única pessoa que ele deixa aproximar-se do seu cabelo com uma tesoura na mão: a S.
Lá fui,
- É para lavar e cortar, se faz favor.
Sento-me, a S. enche-me de espuma até às orelhas, tenho de pedir para baixar a temperatura da água, sinto coisas a escorrer pelo pescoço. O habitual, portanto. Passo para defronte do espelho e quando começo a explicar os meus dramas capilares e o corte que gostava de ter, sai da boca da S. uma frase fatal:
- O Toni já vem cortar.
Alto. Ninguém se mexe. Parem tudo. Stop, stop, STOP.
O Toni?! QUAL TONI??!!
Por detrás de uns frascos, vejo o dito Toni. Tem ar de copos. Grande, desajeitado. Olhos um bocadinho tortos. Esquisito. Imagino-o com uma faca do talho na mão a despedaçar javalis.
Não, não, não... O Toni NÃO me vai cortar o cabelo! Eu vim cá para ser atendida pela S. e não por um Toni...
A S. desaparece não sei para onde e o Toni aproxima-se de mim, armado com uma tesoura. Arrepio-me, torço-me na cadeira, planeio uma fuga sem muito estrilho, procuro em pânico a saída mais próxima.
- Então, como vai ser o corte?
Estou paralisada. Gaguejo, sacudo a toalha. A S. não está em lado nenhum, abandonou-me à mercê do despedaçador de javalis.
...
...
Calma.
Respira fundo.
...
...
...
O cabelo cresce novamente, certo?
Certo.
- ... errr... eu costumo cortar aqui a direito e aqui mais subido.
O Toni ouve. Ouve mas não avança. Parece esperar que eu diga mais qualquer coisa.
- Ele tem muitos jeitos e espeta muito.
Oh my god... espeta? ESPETA?? Eu estou a falar em espetadas com alguém que, de certezinha, tem em casa uma colecção de ganchos para pendurar carcaças de gado?
...
Coragem. Lembra-te: ele cresce novamente.
- Gostava de experimentar um corte diferente. Talvez...
Hesito. Volto a hesitar.
Perdida por cem, perdida por mil.
O cabelo cresce novamente, certo?
Certo.
- ...talvez mais curto.
Foi a loucura total. Juro que vi os olhos um bocadinho tortos do Toni a reluzirem de satisfação. A tesoura tremeu com a emoção. O peito encheu-se de ar, como que tomando fôlego para a empreitada.
- Preciso de mais luz aqui! Mais luz!!
A S. aparece, vinda do sítio onde se escondeu (provavelmente para fugir dos javalis) e acende umas lâmpadas por cima de mim. Olho para ela, como que implorando socorro, mas de nada vale. O Toni finalmente avança e começa às tesouradas.
Clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip, clip...
Já chega, não? Espere, espere, não corte tanto aí!! Está a ficar torto... Mais não, mais não! O meu cabeloooooo....
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- Gosta de se ver assim?
- Gosto, gosto. Está muito giro.
- É um penteado... assim.. despenteado.
Despenteado é bom. É o meu estado natural. Agora já posso dizer que é de griffe.
- ... um corte moderno, jovem...
Moderno? Jovem? Excelente. Mesmo o que eu estava a precisar.
- Está muito giro, gosto muito!
Chego a casa e tenho uma poupa no ar. Tento penteá-la, baixar-lhe a crista. Não consigo. O cabelo está torcido em todas as direcções. Irregular. Cheio de tufos.
Toni, o despedaçador de javalis com os olhos um bocadinho tortos, derrotou todas as outras cabeleireiras finas que me tentam sempre distrair das asneiradas que se passam cá em cima com os seus "vai arranjar as unhas?":
Número de vezes que me cravaram os dentes do pente na cabeça: zero.
Número de queimaduras de secador: zero.
Número de produtos peganhentos despejados sobre o meu couro cabeludo: zero.
Número de tesouradas fora do sítio: três (mas faziam parte do penteado/despenteado).
Número de vezes que me arrependi de não ter fugido: zero (mas só a partir do momento em que o Toni pousou a tesoura)
Estou oficialmente despenteada e gosto.
Tenho frio nas orelhas, mas que se lixe. Ele cresce novamente (embora isso agora já não seja necessariamente urgente).