Fui levar choques e ver pilinhas
Agosto 24, 2011
As dores na mão esquerda levaram-me a um inesquecível exame chamado electromiografia, que consiste em, nada mais nada menos, do que dar “pequenos choques” nos nervos para ver a resposta dos músculos. Fui nervosa para o dito exame (ainda hoje não sei se a ortopedista estava a falar a sério quando me disse que não sabia o sítio onde davam os choques ou se tentava simplesmente não me assustar) e tratei logo de bombardear o médico com as minhas mariquices.
- Isto não dói, pois não? Avise-me quando me der os choques, sim? É que senão eu dou um salto aqui em cima da marquesa! E a parte das agulhas… olhe que eu não me dou bem com agulhas… caio para o lado!
Fui choramingando à medida que ele me ia metendo braçadeiras molhadas à volta do pulso, da mão e dos dedos, num crescendo de nervos. Quando o médico disse “Então aqui vai…”, senti apenas um pequeno formigueiro e pensei, desiludida, “Oh, só isto?!”.
Imediatamente a seguir, a mão começou aos saltos sozinha, como se fosse uma rã a fazer um sprint de duzentos metros. Eu esbugalhei os olhos, sem perceber se me doía ou não e depois… bem… depois foi o bom e o bonito.
O nervosismo (e os nervos) deram-me para a palhaçada e a cada choque que ele me dava eu respondia com um pulo com o corpo todo e desmanchava-me a rir. A mão parecia ter-se descolado do braço e andava por ali à desgarrada, aos pinotes. Quantos mais choques ele me dava, mais eu me ria.
- Inesquecível… como um concerto do Tony Carreira, dizia o médico.
E foi.
No fim, perguntei-lhe se, com tanta electricidade, eu podia trabalhar ao computador sem o avariar.
- Não convém, não… e também não deve beber água nem sumos, porque depois sai pelos buraquinhos da picada da agulha.
Alguns dias depois, aproveitando que o resultado oficial ainda era desconhecido e antes que me condenassem a algo parecido com a sentença que o Google já me deu (médico cruel, este...), fui pedalar com o marido. Uma determinada parte do percurso foi feita à beira mar, numa zona sem acesso pela estrada e que, convidando ao recato, costuma estar repleta de banhistas literalmente despidos de preconceitos. Apesar de sabermos o que nos esperava (volta não volta fazemos aquele trajecto), passar ali é sempre uma aventura.
O marido, mais treinado das pernas, ainda conseguiu aproveitar alguma coisa do passeio e de vez em quando lá se divertia a olhar discretamente para as movimentações estranhas que se passavam nas dunas. Eu, por outro lado, ia contando as conchas no chão enquanto me esforçava desesperadamente por não me despistar em frente a um pipi desnudado ou, pior ainda, a uma pilinha bamboleante.
Não pensem que eram pruridos devidos à inexistência de uma camuflagem cobrindo as zonas genitais, ali tão gloriosamente expostas ao sol. O meu caso era mais grave que isso – diria mesmo que era um problema de ameaça pública. Vejamos os factos:
1 - a maré estava alta e a areia pouco propícia ao pedalanço sem quedas;
2 - as pilinhas bamboleantes estavam presentes num número bastante elevado e espalhadas um pouco por todo o lado.
Ora se eu escorregasse, no desequilíbrio entre pedais, volante, capacete, braços e pernas, o mais certo era acabar por me tentar agarrar ao que estivesse mais à mão. E, convenhamos, agarrar-me assim, a seco, à pilinha alheia seria, no mínimo, chato (já para não dizer doloroso para o proprietário da mesma).
A ajudar tudo isto, a minha cabeça, por sua própria iniciativa, ia cantarolando “Ó mar, ó mar, ó mar / Ó mar dos tubarões / Ó mar, ó mar, ó mar / Que já me dás pelos… tornozelos”.
Lembrem-se que eu tinha levado choques e estava mentalmente perturbada.