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outros dias

[dia] período de uma rotação terrestre; no plural, existência

Cheira a Verão

Maio 31, 2013

Notícias recentes dão conta de que este Verão será o mais frio dos últimos 200 anos (ou não tão quente). Há várias incertezas, mas eu cá atribuo um elevado grau de fiabilidade a estas previsões, não só pelas rajadas constantes de vento que quase me arrastam pela rua, como pelo cobertor que ainda mantenho na cama. A seguir às estações meteorológicas, nada como uma escala de arrepios para avaliar fidedignamente o tempo.

Ora, este cenário é terrível. Pior do que imaginar que não poderei usufruir de uns diazinhos de praia ou de uns jantares no calor do terraço é pensar no impacto que isto terá no dia-a-dia e nos hábitos de todos nós. Por isso, quero deixar já aqui um apelo: pessoas, independentemente da temperatura que se fizer sentir, tomem banho.

A sério.

Tomem banho. P-o-r  f-a-v-o-r.

(hoje já me ia gregoriando toda com os aromas que me chegaram ao nariz...)

Tudo a nú

Maio 24, 2013

Por motivos de força maior, tive de banir durante uns tempos as calças com botões e/ou fecho do meu dress code e apostar em combinações alternativas. A Mãe, sempre muito opinativa, aproveitou todas as oportunidades para me mirar de alto a baixo e aprovar ou não a indumentária... e em 99% das vezes levei um rotundo chumbo da parte dela.

Perdi a conta ao número de ocasiões em que ouvi o já conhecido "Estás nua!!!", ao qual respondi sempre com "Estou... por baixo da roupa estou toda nua". A esse comentário juntou-se um igualmente frequente "Vêem-se as cuecas!!!", avaliação que me obrigou a ripostar "Vêem? Hmmm... achas que as tire?".

Mas a melhor das melhores veio depois.

Um destes dias, ia eu aperaltada com o tal dress code alternativo, abeirei-me da Mãe e ainda não tinha chegado a meio dos dois beijinhos do costume quando comecei a sentir o seu escrutínio implacável. Olhou, olhou, olhou, franziu a testa (ainda mais do que nas outras vezes), abanou a cabeça, benzeu-se interiormente e sentenciou, escandalizada:

- Isso não é uma saia! Isso é um tapa-vergonhas!!

 

 

PS - Para que conste, eu não ando nua na rua, nem com as cuecas à mostra. A Mãe é uma exagerada...

Anedota de enfermaria

Maio 21, 2013

que não me foi contada directamente mas em que eu fui a única pessoa a ter de abafar as gargalhadas:

- Nos meus tempos de estudante, durante a guerra do Golfo, dizia-se que havia Bagdad City, Bassora City e Apend City.

Amor cão

Maio 20, 2013

Quando te peguei ao colo pela primeira vez, eras uma pequena bola de pelo castanho, ternurento e fofinho. Mal abrias os olhos e parecias imensamente indefeso. Escolhemo-nos mutuamente, acho. Ainda nos foi sugerido que trouxéssemos um irmão teu, de ar pachorrento e molengão, mas não quisemos. É verdade: foi-nos acenada a hipótese de termos um cão normal e preferimos ter-te a ti. Ignorámos o coração a bater desenfreado na palma da minha mão, um presságio do bicho agitado em que te virias a tornar; também fizemos orelhas moucas aos guinchos soluçantes que emitias, uma antevisão de todos os agudos que viriam a sair constantemente do mais ínfimo recanto da tua garganta canina. Eras tu e pronto.

Cometemos imensos erros na tua educação. Não te conseguimos habituar à presença de outros cães. Não te conseguimos habituar a andar de trela. Não te conseguimos habituar a caminhar ao nosso lado. Não te conseguimos habituar a não uivar durante a noite. Não te conseguimos habituar a não escavar buracos pelo quintal todo. Sabias as regras, apenas escolhias não as seguir. Na verdade, eras bicho para fazer o Dog Whisperer descabelar-se todo.

Uma vez saltaste por cima do muro para ir atrás não sei do quê. Pusemos uma rede mais alta. Voltaste a saltar. Pusemos uma rede ainda mais alta. Fizeste um buraco e voltaste a saltar. Era frequente tocarem-nos à campainha para nos avisarem que "O vosso cão anda na rua". Tinhas sempre que fazer do lado de fora da casa. Comer porcarias. Ir ladrar aos outros cães. Levantar a pata em todas as esquinas e pedras. Rebolar-te em coisas imundas. Uma alegria.

Noutra ocasião, aproveitaste um nanosegundo de distracção em que o portão se manteve aberto sem vigilância e saíste disparado. Logo por azar, naquele exacto momento, passou um carro na rua a uma velocidade pouco compatível com cães que saem disparados do meio do nada. Levaste uma pancada, ganiste, fizeste-nos pensar o pior. Mas quando fomos ver, já ias bem longe, a saltitar com as orelhas ao vento, extasiado com a sensação de liberdade.

Também nos ajudavas na jardinagem. Comias pêssegos podres directamente da árvore. Ias roer limões – que tinhas arrancado dos ramos - para os degraus da entrada. Abrias sulcos em busca de minhocas. Usavas a mangueira como aperitivo enquanto não te enchíamos o prato (este hábito, aliás, levou-te de emergência ao veterinário por teres ficado com os intestinos entupidos com o plástico que tinhas roído). E depois de teres descoberto os prazeres da coprofagia, a vida em casa nunca mais foi a mesma.

Em determinada altura, achámos que o teu problema era excesso de energia. Levámos-te à praia (na época baixa, obviamente) para correres à vontade. E como correste... principalmente atrás dos outros companheiros de quatro patas. Quando te colocámos novamente no carro, arranjaste forma de ladrar a todo e qualquer cão que se cruzasse connosco, de tal maneira que acabámos por ter uma matilha a perseguir-nos estrada fora. Eras um verdadeiro bullier e nunca te intimidaste com o facto dos outros terem o triplo do teu tamanho.

Ir contigo a qualquer lado era uma aventura e exigia comer previamente dois ou três bifes bem aviados. Não que fosses corpulento ou pesado, mas porque nos cansavas com os teus guinchos de excitação, com o frenesim da trela a puxar, com a sofreguidão de perseguir tudo o que se mexesse ou te parecesse minimamente interessante.

Dizem que os cães adaptam o seu comportamento ao estado de espírito dos seus donos; se eles estão tristes, o cão tenta consolá-los; se estão contentes, partilham dessa alegria. Tu estavas-te perfeitamente a borrifar. Estivesse eu como estivesse, rouca de tanto gargalhar ou com a vida a inundar-me por dentro e a transbordar-me pelos olhos, tu babavas-te para cima de mim como sempre, corrias e saltavas à minha volta como sempre, desafiavas-me com a bola como sempre, enchias-me de pelos como sempre.

Quando ficaste leishmanioso - e passado o choque inicial - interiorizei o facto de, mais tarde ou mais cedo, ficarmos sem ti. Tive apenas receio do processo até chegarmos a esse momento; tive receio que os rins ou o fígado falhassem, ou que sofresses um qualquer colapso súbito, ou que fossemos obrigados a correr a toda a hora para o veterinário, procurando mitigar-te o sofrimento.

Mas tal não aconteceu. Aguentaste-te heroicamente. Fizeste as medicações prescritas, as análises de controlo, a alimentação regrada. Não sei se foi por isso ou por pura sorte, mas demos a volta às sacanas das leishmanias. E o teu comportamento “exemplar” manteve-se genuinamente tresloucado até ao fim.

Foste um bom cão – um verdadeiro cão – e acho que fomos bons donos.

Quando nos dizem que para esquecer este devíamos arranjar já outro, eu penso por que raio de razão quereríamos nós fazê-lo. “Esquecer este” (esquecer-te!) seria esquecer os últimos doze anos de vida, da nossa vida-a-dois-mais-um-cão-de-olhos-amarelos-e-mal-comportado. Nunca conseguiria fazê-lo e conforta-me saber que, pelo menos nas nossas memórias e nas memórias dos sítios por onde passámos, tu serás eterno.

Nunca é exactamente a mesma coisa

Maio 17, 2013

O bisturi corta-nos, os instrumentos entram-nos no corpo. São feitas manobras, acreditamos que com habilidade. A linha cose-nos, os pensos e as gazes protegem-nos. O paracetamol corre heroicamente por um tubinho. A anestesia distancia-nos de tudo.

Depois, deixam-se as feridas sarar, lentamente. E espera-se que a pele regenere, lentamente.

Mas nunca é exactamente a mesma coisa. Há sempre uma cicatriz qualquer a fazer de âncora entre o antes, o durante e o agora.

Ainda que aparentemente invisível.

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