Coisas sobre a crise
. Se a manifestação deste sábado tivesse sido noutro país e com um povo com outra cultura, nem quero imaginar o número de montras partidas, carros incendiados e pessoas feridas. Tendo em conta a mobilização que foi, estamos todos de parabéns. Gostava é que coisas como, sei lá, as eleições, mobilizassem tanta gente. Em Janeiro de 2011, quando o sr. Silva viu renovada a sua licença de habitação do palácio de Belém, a abstenção foi de 53,48%; em Junho do mesmo ano, quando foi dada autorização ao sr. Coelho e ao sr. Portas para ocuparem o poleiro palácio de S. Bento, 41,93% dos eleitores preferiu ir fazer outras coisas a receber para as mãos um boletim de voto. "Ah e tal, não fui porque não gostei de nenhum dos candidatos". Certo. Votava em branco. Não ir é o mesmo que dizer "não quero saber".
. Se outros fariam melhor? Sinceramente não sei. Não gosto de me sentir como um rato de laboratório ou cobaia de experiências financeiras. Não gosto do que estes estão a fazer nem do que os que os antecederam fizeram; não gosto das notícias que me chegam das despesas absurdas e megalómanas, das injustiças, das inconstitucionalidades, de anos e anos de filosofia de "deixa-me pôr a mim e aos meus bem, o país e o futuro que se lixem". Não gosto e entristece-me.
. Dizem que cortaram subsídios, quando, na realidade, cortaram ordenados. Os nossos rendimentos são anuais e estão (ou estavam) divididos em 14 prestações; o que fizeram não foi cortar subsídios (como quem diz que corta algo acessório) e sim cortar 2/14 do fruto do nosso trabalho anual. Agora querem aumentar em 7% a TSU. Ok, digo eu. Mas depois espero ter mais 7% de serviços de saúde, mais 7% de polícias, mais 7% de bombeiros, mais 7% de escolas, mais 7% de serviços de saneamento básico, mais 7% de serviços de atendimento ao público, mais 7% de acessibilidades, mais 7% de tudo aquilo que o Estado "dá" aos cidadãos. E, no fim, espero receber mais 7% de reforma (e parto do princípio que vou ter reforma).
. Todos somos livres de fazermos o que quisermos com o nosso dinheiro. É nosso, ganhámo-lo com o nosso trabalho, podemos gastá-lo (ou não) no que nos apetecer. Se me der para isso, posso até fazer uma fogueira com as notas que o problema é só meu. Tudo certo. Mas, depois, não me posso queixar que não chega para tudo. Atenção que isto não é uma crítica a quem, de facto, o dinheiro não chega para cobrir todas as necessidades básicas. Longe disso. Só não gosto é que venham chorar no meu ombro que só podem almoçar uma sopa (ou nem isso) porque "não dá para mais" quando na véspera compraram um telemóvel xpto para substituir outro que estava a funcionar perfeitamente e cujo único defeito era não ter uma qualquer funcionalidade não essencial para o dia-a-dia. Chamem-me nomes, mas chateiam-me um bocadinho as pessoas que ocupam o meu tempo a lamentarem-se das suas próprias prioridades e escolhas.
. Quando se fizeram as auto-estradas ou os estádios ou todas aquelas obras e projectos com os fundos da "CEE", pensavam que o dinheiro estava a vir de onde? Da gruta mágica do Ali Babá? Ninguém dá nada a ninguém, muito menos notas. E a troika e esses engravatados todos que agora andam por aqui também não nos deram nada. Chamam-lhe ajuda financeira, mas é tudo menos isso. Ajudar é algo que se faz, supostamente, desinteressadamente. E se quiserem efectivamente fazê-lo ou efectivamente dar alguma coisa, que dêem canas e ensinem a pescar.