A Avó, Mãe da Mãe, sempre tentou fazer de mim uma senhora "à séria". Há uns vinte, vinte e cinco anos atrás, e na cabeça da Avó, isso significava transmitir-me não só valores como... lavores.
Lembro-me bem - tão bem - de estar sentada à beirinha da cama da Avó, com ela à minha frente, de agulhas nas mãos e esquemas complicados no colo, novelos e novelos de linhas por todo o lado e uma persistência infinita a ensinar-me os passos e os preceitos todos.
Aquelas tardes eram para mim um pesadelo. Sempre gostei de trabalhos manuais, mas trocava de bom grado as agulhas por pregos sem sequer pestanejar. Os nomes eram confusos. As costas doíam-me. As malhas saltavam e perdiam-se. Os enganos só eram descobertos quando já ia umas sete ou oito carreiras mais à frente. Pior, muito pior, do que tudo isto era o sol que fazia na rua e o vento nas árvores que parecia chamar por mim. Eu suspirava, suspirava, suspirava... e lá endireitava as agulhas e esforçava-me por prestar atenção à Avó (dizer que não a tanto empenho parecia-me uma maldade muito grande).
Até renda de 5 agulhas eu fazia. Com "gatos", é certo, mas fazia... usando pedaços de cortiça na ponta das agulhas para (tentar) evitar a tragédia maior de qualquer senhora dos lavores digna desse nome: a frustração das malhas caídas.
Hoje, vinte ou vinte e cinco anos depois daquelas tardes, pego nas agulhas de tricot da Mãe e
- Ó Mãe, como é que se com...
e antes de terminar a frase, dou por mim a montar uma carreira quase sem olhar, com os dedos a andar ligeiros para trás e para a frente, como se tivesse sido ontem que me sentei à beirinha da cama da Avó.
Wow.
A memória é, de facto, algo extraordinário.
(Interrogo-me se, pegando num tecido de algodão e começando a puxar linhas, também me lembrarei automaticamente daquelas barras para toalha que aprendi a fazer. Hei-de experimentar...)
Entretanto, e porque, afinal, com pregos ou com agulhas, trabalhos manuais são sempre trabalhos manuais, naqueles bocadinhos entre o jantar e o ir dormir (ou entre o tentar jantar e o adormecer em cima do prato), ando a dar corda aos dedos. Ou melhor, ando a dar trapilho aos dedos. E, claro, culpa das pesquisas para a quase-casa-nova, a IKEA foi a minha inspiração:
[imagem daqui]
Believe it or not, apesar de nas fotos parecerem penicos, ao vivo estão verdadeiramente engraçados.
Avó J., fui eu que fiz!