outros dias

sem dar por isso - o que é revelador - escrevi o post de baixo com maiúsculas.

Por causa de um sofá, esqueci-me de tudo durante vinte minutos.

a batida cardíaca aumenta subitamente, sem qualquer aviso. por muito que inspire profundamente, o ar nunca chega. não me consigo concentrar noutros sons que não o do meu coração descompassado. o estômago contrai-se, os pulmões sufocam. quero levantar-me mas sinto as pernas dormentes. "tenho de sair daqui, tenho de sair daqui rapidamente" é só o que penso. tum, tum, tum, tum, o coração não abranda, inspira, expira, inspira, expira, faz com que passe, faz com que páre. um turbilhão de ideias em fúria atravessa-me as sinapses nervosas. fecho os olhos, faço força para ordenar os pensamentos. quero acreditar que não é nada, que estou segura, que está tudo bem. tum, tum, tum, tum, tum. parece um trovão, parece que me vou desfazer em mil pedaços.

acontece a tomar banho, a trabalhar, a ver televisão, a conduzir, a vestir-me, a adormecer. e deixa-me exausta quando, finalmente, passa.

uma das coisas que ouvi por aí (os tais clichés) é que só falando sobre os problemas e sobre o que nos preocupa é que se conseguem encontrar soluções. acontece que eu não sou boa a falar. o chip que regula essa função estava esgotado quando passei na linha de montagem. não sendo boa a falar, acabo por escrever. na maior parte das vezes, é mais libertador e mais seguro.

pelo menos para mim.

se analisarmos bem, vemos que começamos todos por ser afonsos henriques de espada desembainhada e armadura invencível, a galope por aí abaixo, esfolando joelhos e rasgando cicatrizes... mas depois... depois a vida muda-nos.

quem pergunta "está tudo bem?" fá-lo, na maioria das vezes, de forma automática e não quer, na maioria das vezes, saber qual é a resposta. ou, pelo menos, a resposta verdadeira. é por isso que respondo sempre que sim e assim já não me fazem mais perguntas às quais não quero responder e nem sequer preciso de falar quando não consigo.

e depois posso ir chorar às escondidas.

isto há-de me passar. mais dia, menos dia. mais ano, menos ano.

ou noutra vida, quem sabe.

por favor, alguém que me dê três chapadas.

oh.

o meu mal é a frustração. não sei lidar com ela e por isso coloco sempre as minhas expectativas o mais baixo possível. quando não o faço e depois as coisas não correm bem, fico na merda. e eu, quando fico na merda, fico durante muito, muito tempo.

ri ininterruptamente durante três minutos, mas isso não significa que já esteja tudo bem.

este fim-de-semana teve momentos que desejei que durassem para sempre e momentos que desejei que acabassem o mais depressa possível.

fazendo o balanço, vejo que nenhum deles venceu.

uma fatia de bolo de chocolate barrada com duas colheres de mousse de chocolate cura quase tudo.

quase.

gostava que fosse possível atribuir a outrem as decisões que supostamente devo ser eu a tomar.

tem sido recorrente: querer chorar, sentir as lágrimas a abeirarem-se das pálpebras, o nó a crescer na garganta, o peito prestes a desfazer-se em soluços... e reprimir tudo para mais tarde, para quando não estiverem pessoas à minha volta e já não for preciso pedir autorização para estar triste.

ter de consolar alguém quando precisamos que nos consolem a nós não é bom.

pensava que conseguia fingir que está tudo bem, mas a verdade é que não consigo.

dói-me por dentro.

doem-me zonas do meu corpo que nem sei como se chamam.

and yet, o que me dói mais é esta coisa miudinha que se instalou em mim e teima em não sair.

estou cansada.

há alturas em que odeio o meu corpo.

há alturas em que odeio o meu cérebro.

há alturas em que odeio ambos.

isto é um cliché, mas a vida devia mesmo vir com um manual de instruções.