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outros dias

[dia] período de uma rotação terrestre; no plural, existência

A leishmaniose, o ser-peludo-que-vive-connosco e eu

Junho 04, 2009

21 de Fevereiro
Enquanto janto, começo a somar 1 + 1. Queda de pelo, emagrecimento, falta de forças e de energia, unhas a crescer desmesuradamente, uma ferida na pata que não cicatriza. Corrida rápida aos livros, enciclopédias e google. Todos corroboram a minha suspeita: leishmaniose!

22 de Fevereiro
Logo pela manhã, mal dormida, meto o ser-peludo-que-vive-connosco na transportadora e zarpo para o veterinário.
"É um quadro típico de leishmaniose", dizem-me.
Tiram-lhe sangue para fazer o despiste, explicam-me tudo o que eu já sabia e tinha lido e estabelecem possíveis planos de acção.
Sinto-me triste e desamparada.

26 de Fevereiro
Sei os resultados pelo telefone. 2 de 4 marcadores positivos. Tenho de voltar com o ser-peludo-que-vive-connosco ao veterinário. Estou uns bons trinta minutos ao telefone com a médica. Repete as explicações e os passos a seguir, transmite-me confiança, mas não em excesso. Tudo depende se os órgãos internos já foram atingidos e quais os danos...

28 de Fevereiro
No veterinário, fazem-lhe análises para saber o estado da função renal e hepática. Dez minutos - que me parecem dez séculos - depois, dizem-me que os rins estão bons, mas o fígado não. Boas notícias, mais ou menos.
Vai fazer alopurinol 300 mg (1/2 comprimido de 12/12h durante 2 meses), cortisona 20 mg (3/4 de comprimido de 12/12h durante 5 dias; 3/4 de comprimido de 24/24h durante 5 dias; 1/2 comprimido de 48/48h durante 6 dias) e um protector hepático (Denosyl 225mg, 1 comprimido de 24/24 horas durante 30 dias).
Falamos no glucantime, em injecções. Percebo que está a ser preterido por um outro medicamento novo, o milteforan. É um líquido que se coloca na comida e que tem efeitos secundários menores que o alopurinol, já que não afecta o rim. Mas é eliminado pelo fígado...

Explicam-me também que não há perigo de contágio para nós, através do cão. O animal fica portador mas não é transmissor.
Ordem para voltar daí a duas semanas, para controlo.

14 de Março
O peso aumentou, o pelo melhorou um bocadinho. Tem mais energia, parece estar a reagir bem.
Regressar daí a outras duas semanas, para repetir as análises da função renal e hepática.

28 de Março
O fígado melhorou bastante... mas o rim começou a dar sinais. Pode ser do alopurinol... ou da leishmaniose em si. Reduz-se a dose para 100 mg de 12/12h e vai mudar a ração para uma específica: Hills k/d. Um saco de 5 kg, que para ele dura três semanas, custa 45,90€; o de 14 kg ronda os 96,00€... Discute-se novamente a hipótese do milteforan. Dá vómitos e diarreia a quase todos os cães... Só poderemos avançar quando estiver estabilizado.
Pergunto pelas vacinas, que deveria ter levado em Janeiro, e o médico é categórico: "Esteve a fazer cortisona, por isso esqueça!"

18 de Abril
O rim melhorou ligeiramente e o fígado está praticamente regularizado.
Leva quadriderme para a ferida na pata, 2x/dia. Continua com o alopurinol e a Hills.
Longa conversa sobre a leishmaniose, o alopurinol e o milteforan. O alopurinol impede a reprodução das leishmanias, o que, pela lógica dos ciclos de vida, acabaria por debelar a doença. Mas tal não acontece... Apenas o milteforam mata mesmo o parasita. Há casos de positivos que dão negativo... São muito obscuros os caminhos da leishmania! A pensar... e regressar daí a três semanas.

10 de Maio
Repete as análises da função renal e hepática e os valores estão ligeiramente mais baixos. Comparando com o início, parece outro animal! O aspecto  geral é bastante melhor, aumentou de peso, está cheio de energia. Já sobe as escadas sem dificuldade, pula e chia como habitualmente. Temos luz verde para, se quisermos, experimentar o milteforan. Nada garante que o bicho fique realmente curado. Nos estudos, não há forma de saber se os positivos são reincidências da mesma infecção ou se os cães foram, por um grande azar, picados novamente. O alopurinol lesiona o rim e não é, na verdade, um tratamento. Para decidir em conselho de família, já que é um medicamento mesmo muito caro...

31 de Maio
Depois de um conselho de família abreviado, avançamos para o milteforan.
Repete alguns marcadores das análises, para termos um ponto para comparação. Rim na corda bamba, fígado ok. Vai fazer milteforan 1,5ml/dia, durante 28 dias certos (é o ciclo de vida uma leishmania) e continua com o alopurinol, just in case.
Se tiver vómitos ou diarreia, voltar lá. Se não houver novidades, fazer uma visita no final do tratamento. Falam-me em repetir o despiste da leishmaniose passado um mês.
Aproveito e dou-lhe as vacinas. Em três "picas", o pacote anual: esgana, hepatite, leptospirose, parvovirose, tosse de canil, raiva.

O veterinário sorri ao olhar para o cão. O bicho corre o consultório todo com uma energia que nem eu tenho. Empoleira-se para chegar às bancadas, abre o caixote do lixo, ladra para os barulhos que ouve por detrás da porta, quer fugir para o corredor. Na sala de espera, atira-se sem medo contra três grand danois que tinham chegado. É o ser-peludo-que-vive-connosco de sempre!!

 

 

  28 Feveiro 28 Março 18 Abril 10 Maio 31 Maio Valor normal (cães)
Glucose 113 mg/dl 94 mg/dl       81 - 121
Colesterol 232 mg/dl 180 mg/dl       156 - 354
Creatinina 0.9 mg/dl 1.4 mg/dl 1.3 mg/dl 1.2 mg/dl 1.4 mg/dl 0.4 - 1.2
Bilirrubina total < 0.2 mg/dl < 0.2 mg/dl       0 - 1
BUN 111 mg/dl 98 mg/dl 29 mg/dl 28 mg/dl   6 - 24
GPT - ALT 148 U/l 89 U/l     65 U/l

13 - 92

GOT - AST 244 U/l 81 U/l       20 - 67

 

 

3 de Junho
Inicia o milteforan, com fim agendado para 30 de Junho. Leio e releio a bula. Há uma seringa graduada e o frasco vem selado. São precisos cuidados extremos no manuseamento do produto e usar luvas em tudo. É o equivalente à quimioterapia que se faz nos doentes humanos...

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Tenho esperança.
Tenho medo de chegar a casa e o ser-peludo-que-vive-connosco não estar lá.

_______________

Há muitos, muitos, muitos anos atrás, naquele momento crucial em que nos obrigam a escolher uma área na escola, perguntaram-me o que queria seguir. Já era de noite e eu estava sentada no meu quarto, na minha secretária de pinho. Lembro-me de torcer as mãos, em angústia:

"Gostava de ser veterinária, mas não vou saber lidar com a morte dos animais e, por isso, não quero."

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