O marido acha que o meu desencantamento em relação ao Natal se deve a um qualquer recalcado trauma de infância.
Muito pelo contrário. O meu desencantamento deve-se, isso sim, a já ter ultrapassado a fase da infância (ou, pelo menos, assim o devia).
Quando era cachopa, os Natais eram passados em casa da minha avó, com as primas e os tios todos reunidos. Eram verdadeiras festas, de peru recheado com coisas estranhas, pastéis e massa tenra e um sem fim de travessas de doces na mesa, juntamente com o bolo-rei e as suas intragáveis frutas cristalizadas. Havia as primas para formar um bando de raparigas a correr atrás do meu irmão para lhe fazer judiarias. Havia o tio que se mascarava de Pai Natal e a quem eu puxei a barba para desfazer a magia. Havia o pinheiro verdadeiro, enfeitado com bolas lascadas e fitas e luzes que demoravam horas a desenlear de um ano para o outro. Havia prendas, que se abriam sofregamente e que eram, algumas, logo ali estrategicamente desviadas das nossas mãos pela Mãe. Havia a família reunida até tarde e depois a tropa toda a descer as escadas do prédio e sair para a noite gelada. E nós ficávamos à janela, a acenar até os carros terem dobrado a rua. Era um dia em que nos deitávamos tarde, excitados com tudo.
O segredo era a nossa inocência.
Depois crescemos. Eu cresci. E vi que, afinal, a tendência para o bem e a integridade não são qualidades inatas e naturais das pessoas. Nem minhas. E que não dá para fazer undo às asneiras e aos erros.
Mas, se não fosse o Natal, os jantares que antes eram na avó e que agora se distribuem por cinco ou seis casas, se calhar não se faziam. E não continuávamos a dizer "Epa, temos que combinar qualquer coisa, só nos vemos uma vez por ano, já repararam?!", "Pois é, pois é...".
E isso é, apesar de tudo, uma coisa boa.
(e os presentes também! )