Não me consigo despir da sensação de última vez, de últimas vezes. Custa pensar em fim. Lembro os gestos, os passos, os sorrisos, os aconchegos e o que se foi esfumando pelos dias e pelos anos fora.
Num dos meus piores "momentos", consegui a proeza de, num fim-de-semana, perder três quilos. Três mil gramas que se ficaram nas refeições que não comi, nas lágrimas que me correram em catadupa queixo abaixo, na almofada de onde não fui capaz de sair.
Foi mau. Mesmo muito mau. E hoje recordo isso com receio.
Ao voltar da praia, rio-me com o espanto dos vizinhos:
- Foste à praia... de BICICLETA?!?!?
Ir e vir, por atalhos, não chega sequer a 10 km. A ida faz-se muito bem, é quase sempre a descer. O regresso... bom, o regresso faz-se mais devagar, as pernas já estão cansadas, sente-se o sal a queimar a pele, leva-se areia dentro dos ténis... Mas há ali uma comunhão comigo mesma que não consigo em mais lado nenhum. E isso vale por todas as subidas que enfrento pelo caminho.
(aparte mauzinho: o espanto parece ser proporcional ao tamanho da barriga neles e à altura dos saltos nelas)
Não vale a pena tentar camuflar a coisa e dizer que era "apenas cansaço" ou "desânimo" ou qualquer outro sinónimo tirado da mesma gaveta das verdades absolutas: arrastei-me para as férias com um princípio de depressão. Princípio de depressão e ponto final.
Ao fim de metade das possíveis quatro semanas fora do ambiente habitual, consegui esquecer-me-los. Isolei-me em mim e de mim, trancando do lado de fora o mundo, as pessoas, os sentimentos, a tristeza, a ansiedade, o desamparo. Depois de quatro semanas vencidas, regressei ao quotidiano, agarrando-me como uma junkie à tranquilidade e ao cimento com que colei os meus bocados. Receei ser, passados três dias, novamente chutada para a casa Partida. Os três dias ainda não terminaram, mas até ao momento, mantenho-me em jogo. Não me saiu mais nenhum "doble" e o cimento já tem algumas rachas, mas cá vai resistindo. Apertado, junto ao coração, na esperança que supere todas as provas.
Das férias guardo o sol a pôr-se, vermelho vivo, na planície estendida sob os meus olhos. Guardo os ténis sujos de pó dos caminhos, os calções amarrotados e os tótós no cabelo. Guardo as horas esquecidas, os equilibrismos na bicicleta com 40 graus à sombra e as fotografias sempre a tiracolo. Guardo os pés descalços, o fato-de-banho a secar nas costas da cadeira e o húmido da maresia. Guardo os amigos, as gargalhadas e a preguiça das sestas. Mas guardo, sobretudo, os sorrisos que ouvi de mim. E espero conseguir lembrar-me deles durante muito, muito tempo.