A net existe há dois dias
Num destes dias em que não fazia tanto frio como hoje, necessitei, para um dos maravilhosos e inúmeros processos burocráticos profundamente enraizados no nosso país, de uma certidão da Conservatória do Registo Predial.
Como qualquer comum e trabalhador cidadão, aproveitei um dos intervalos do almoço para me dirigir a tal espectacular serviço. O choque foi um pouco maior que ligeiro: deparei-me com uma sala cheia de utentes, um funcionário por cada senha, um outro ocupado com uma advogada cheia de papéis e uma velocidade média de atendimento de meia hora por pessoa. Na parede estava colado um bonito papel a pedir a compreensão para o facto de, à hora de almoço, aquele serviço estar com o pessoal reduzido.
Como não me apetecia ficar ali até ter fome para jantar, fui perguntar se o que precisava se podia pedir pela net.
- Ahhh.... errrrr.... Ainda não.
Suspiro. Ok. Ainda não. Suspiro.
Desisti e regressei no dia seguinte, logo pela manhã, ainda antes da hora de abertura. Não esmoreci com as três pessoas que já lá estavam encostadas à porta - afinal, o papel que lera trazia alguma esperança de que, no horário normal, o atendimento fosse mais rápido.
Não foi.
Novamente dois funcionários, um por cada senha. E a mesma meia hora por utente.
Esperei e desesperei de tal forma que nem me apeteceu sacar do livro que levei. Quando finalmente chegou a minha vez, vi-me a ser ultrapassada em grande estilo por uma senhora que se disse advogada. Já enraivecida com aquilo tudo, expliquei, muito calmamente, que estava com pressa e atrasada para o trabalho, ao que a funcionária me respondeu perguntando se eu também tinha prioridade.
(aparentemente, os senhores advogados podem passar livremente à frente seja de quem for nos serviços públicos)
Ainda pensei em empinar a barriga para fora e fazer-me passar por grávida, mas acabei por encolher os pneus e, como a funcionária era outra, voltei a perguntar se podia fazer o pedido pela net.
- Ahhh.... errrrr.... Ainda não.
(assim mesmo, igualzinho à colega do dia anterior)
Suspiro. Ok. Ainda não. Suspiro.
Desisti e fui pedir à Mãe para lá ir, nos intervalos da jardinagem, pintura, séries e jogos de cartas no computador.
A Mãe foi, esperou o que eu desesperei e saiu de lá com o papel da requisição e a indicação para regressar daí a dois dias.
- Sabe, eu gostava muito de lhe dar isto agora, mas não encontramos o processo...
Aquela frase prometia, mas a Mãe é resistente e, findo o prazo, voltou a interromper a jardinagem, pintura, visualização de séries e jogatina de cartas de computador e foi lá levantar a certidão. O processo já tinha sido encontrado e acabara por ser mais rápido do que o previsto. Aliás, tinha corrido tudo tão bem que a funcionária, muito simpaticamente, até disse:
- Sabe que pode pedir isto pela net?
Bom.
Bom.
Eu podia ficar levemente irritada com a situação. Ou sentir uns pequenos impulsos assassinos. O que me impede é o facto de, no fundo, compreender que, no fim de contas, a culpa acabou por ser minha. Eu devia ter suspeitado daqueles "Ahhh.... errrrr" iguaizinhos. Ou então ter feito umas googladas mais profunda (aí pela página 259) e umas pesquisas mais intensas no Portal do Cidadão (sim, essa pequena, pequeníssima maravilha). Acho que aí sim, ficaria (bem) servida.